sábado, 21 de agosto de 2010

Laura Martin_conversa aberta


Eu não sabia de sua existência até a manhã do dia 13, mas, graças a um e-mail da Oficina Cultural Hilda Hilst(1), soube que Laura Martin estaria na cidade no ateliê aberto, um espaço dedicado às artes, para uma conversa aberta. 
Li o convite e nem me passou pela cabeça não ir, marquei o compromisso comigo mesma de ir pelo que estava escrito nele e por meu interesse, agora mais do que explícito, em fotografia. Laura é fotógrafa e gosto de saber o que o próprio artista tem a dizer sobre o que pensa, faz, sente


Laura é francesa, acho que a pronúncia de seu nome deve ser algo como 'lohá martan', é artista plástica também. Foi emocionante ouvi-la. Não que entendesse tudo o que dizia pois meu francês está em desuso há décadas e só consigo ler com dicionário à mão, mas tinha uma tradutora. Poucas vezes na vida eu me senti tão desejante de saber uma língua para ouvir a pessoa sem a angústia pelo não entendimento adequado.
Eu olhava para seus olhos e o rosto expressivo e via as fotos projetadas na parede, tudo isso me fazia perceber a beleza e a importância do que ela faz em comunidades pelo mundo afora e dentro da França mesmo. Pessoas em situações social e economicamente desiguais infelizmente não é algo exclusivo de países como o Brasil. 
Laura tem um site onde podemos acompanhar seus projetos e não me sinto talhada para falar muito sobre o que ela faz. Ela faz, por exemplo, algo muito bonito e carregado de significado, que é dourar partes do corpo de algumas pessoas

Laura dourando os pés de um homem 
que transporta pessoas num rickshaw (riquexó) na Índia


Laura dourando a mão de uma pessoa em São Paulo, 2010

Talvez seja um risco a correr tentando contar um pouco sobre isso, mas o que entendi é que a atitude tem a ver com valorizar o ser humano, em especial aquele que normalmente não tem seu valor reconhecido, e tudo começa com Laura conversando com a pessoa e respeitando sua vontade ou não de participar do que ela está propondo, no caso a douração, que é feita com uma mistura de óleo e pó dourado e é aplicada nos pés, mãos ou orelhas.
Laura tem esse modo até mesmo humilde de se aproximar das pessoas e não creio que seja  para conseguir algo delas e fotografar ou ser fotografada junto dessas pessoas, ficar famosa; ela tem esse caráter, esse desejo de tocar o outro. 
Senti isso quando ela se aproximou de mim após apresentar o que fez em alguns lugares, como em São Paulo (ver artigo sobre seu encontro com moradores de rua em Osasco, SP) e responder duas ou três perguntas feitas a ela. 
Laura me ouviu falar num inglês em que eu me confundia com as palavras, com as concordâncias verbais e usando "draws" em vez de drawings quando fui responder que faço desenhos, entre outros equívocos linguísticos de minha parte. Eu fiquei tão surpresa com sua atitude, isso me deixou certamente tensa; fui lá para ouvi-la e de repente fui ouvida.
Normalmente vou a esse tipo de evento e restrinjo à participação como ouvinte e, dessa vez, tive vontade de perguntar e o fiz. Quis saber como Laura começou a trabalhar com fotografia, com performance (a douração é vista como performance, embora eu veja muito de ritual nela), com essas idas aos lugares e confessei meu encanto com a maneira como ela busca meios de aproximação, já que Laura nem sempre tem as portas abertas aos seus projetos, que também acabam sendo alterados durante a abordagem às pessoas, como ela havia descrito o caso da cidade de Goxwiller, na França, onde foi preciso ter muita criatividade para abrir um espaço de contato e conhecer as pessoas do lugar(2)
Meu interesse era mesmo saber o que a moveu nessa direção. Laura disse que era ligada à música, foi aos 20 anos, grávida de sua filha, que passou a visitar instituições para idosos(3)... ela não descreveu como se deu isso, embora dê para fazer uma ligação com o que faz hoje. 
Soube que sua mãe tem um papel fundamental em sua vida de artista por ser uma pessoa muito esclarecida quanto ao que acontece às pessoas, creio que sobre as injustiças, as diferenças sociais. Ela também mencionou o fato de ser descente de imigrantes suíços e que, portanto, não é à toa que se volta para a questão dos imigrantes, de pessoas discriminadas etc.
Laura fez um trabalho com os funcionários de um museu de arte em São Paulo, acho que foi no Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC USP. É o que ela chama de "alfabeto de palavras", que é um dar corpo às palavras que são essenciais para cada pessoa, como "amor", "respeito", "amizade" e outras tantas. As palavras foram escritas sobre papel, tiras de papel e fixadas nos rodapés no interior do museu. 
Não tenho fotos disso, mas na Alemanha ficou assim, uma floresta de palavras

Forêt de paroles, 2000
 
Paro por aqui, o que Laura faz é muito maior do que eu posso dizer até por não ter lido sobre seus projetos passados e o que sei sobre o que ela fez em São Paulo foi basicamente o que ouvi na conversa aberta naquele sábado e não está sequer em seu site ainda. 
Além disso, ela está na estrada pelo mundo há uns 10 anos, não daria para resumir numa simples postagem.
Para mim, foi uma experiência marcante, tinha uma expectativa que foi superada e muito.
Merci, Laura!



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1. Na OC Hilda Hilst eu participei de um workshop de gestão cultural no semestre passado. Nesse espaço cultural tem, semestralmente, uma porção de oficinas em várias áreas (artes visuais, cinema, literatura, teatro, cultura geral etc.) e fica à rua Ferreira Penteado, 1203, Cambuí, Campinas/SP, com o telefones (19) 3294-2212 / 3236-0046 e o e-mail campinas@assaoc.org.br
O funcionamento é de segunda a sexta-feira das 9h às 17h. Tudo lá é gratuito.

Há OCs em várias cidades do estado de São Paulo, vale ficar de olho no site da Associação dos Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo para conferir a programação de cada OC. Além das oficinas, há outros eventos nesses espaços e se cadastrando a gente recebe informações de eventos que acontecem fora das OCs também. 
2. Estava pensando, enquanto a ouvia, que eu não teria esse jogo de cintura dela, ou sua coragem de enfrentar tantas mudanças, por isso também foi crescendo uma admiração por Laura. 
3. Isso pode ser um pouco diferente do que estou contando porque escrevo de memória, e a resposta dela foi mediada por tradutora...


ML: Meu desejo é não ter dado informações equivocadas sobre Laura Martin, mas recomendo que se visite o site dela, há a versão em francês e a outra em inglês. As fotos, estas podem ser lidas em qualquer língua. 
Sobre o ateliê aberto, adorei a iniciativa de trazerem Laura à cidade!  Devo prestar mais atenção ao que acontece por lá!


Um comentário:

  1. Olá Marga,
    Que mulher incrível, vc nos apresenta, eu realmente nunca tinha ouvido falar do seu trabalho tão humano e de tal integração homem x arte...
    Vou olhar seu site e vou ficar de olho na programação dos lugares que indicou.
    Apesar de não ter estudado artes e tão pouco me relacionar com a mesma, gosto muito de saber e conhecer vários métodos de aproximação através dela.
    Acredito que a criatividade está não só no desenvolvimento, mas na interação e na movimentação que a arte cria em cada um.
    Bjs e boa semana para vc!

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