quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Mostra


Em julho estive em São Paulo e aproveitei que era uma terça-feira, dia de entrada gratuita, para ir ao MASP, esse prédio que não me canso de visitar e admirar seus pilares vermelhos e o imenso vão livre



MASP, Avenida Paulista

Visitei a mostra  noite, no quarto de cima, o cruzeiro do sul, lat. sul 23º32'36", long.w.gr. 46º37'59", 1973 - 2010: revisão de Evandro Carlos Jardim. 
Ele é um mestre da gravura, não por ter feito mestrado em alguma instituição, título que não sei se ele tem em seu currículo. Evandro é mestre no sentido de pessoa que conhece uma arte com profundidade e a realiza com talento e sabedoria; é mestre também no sentido de pessoa que transmite seu conhecimento ao outro com qualidade.
Fui atrás de suas gravuras, há uma delas por que tenho paixão. Esta



E pude ver outras tantas, na verdade nunca tinha visto uma quantidade tão grande de gravuras de Evandro e isso foi importante demais para mim. Eu me aproximava um bocado  das molduras, ávida por perceber cada detalhe, que em gravura com matriz de metal são muitos. Tentava saber se ainda reconhecia as técnicas, os efeitos criados com instrumentos ou ácidos. 
No piso de museus normalmente há uma linha amarela delimitando a máxima distância a que devemos nos aproximar de uma obra, no MASP não tem, o que me permitiu esse chegar perto com que me deliciei. 
Evandro faz pequenos objetos em madeira e outros materiais, desenhos e fotos também, mas o que tomou conta de mim, além das gravuras, foram suas pinturas em têmpera(1) sobre tela ou madeira,





Descobri o Evandro pintor. Fiquei um tempão diante delas, gostando. Não sabia se gostaria, conhecia como gravador e não havia certeza de o pintor ser tão bom quanto. Ele é, que alegria saber!

Sinto uma alegria sem descrição possível quando vou a uma exposição e posso gostar do que vejo. Acho difícil falar de obras de que não gostei, bem pior é se o artista for conhecido meu... ai, me vem aquele sem jeito de dizer a verdade, aliás, de que verdade estou falando? Da minha. Não sei até que ponto valem a pena certas sinceridades, na arte, então, entra muito a questão do gosto e outras questões até discutíveis, como quando se levam mais a sério conceitos do que mesmo a própria qualidade do que se denomina obra de arte, assunto para outra postagem.

Acho que minha gravura favorita dele eu já havia visto pessoalmente ou então foi Jaraguá

 
Ele retoma o tema do Pico do Jaraguá na pintura, isso eu considero uma bela atitude porque... o melhor é ver



São dois olhares para o mesmo pico, será o mesmo de fato?

Saí do MASP com os olhos e coração lotados de imagens de um artista maior, de um artista que admiro muito

Evandro em seu ateliê

Já estava no vão, iria embora dali, quando vi uma garota conversando com umas pessoas e olhei para o que ela carregava. Eram Ocas, exemplares de uma revista de que ouvira falar havia muitos anos mas, como é vendida apenas em São Paulo e em alguns pontos específicos da cidade (e cadê que eu ia lá!), nunca tinha comprado. Fui me aproximando e logo contando essa história de querer a revista...  
Ana, a garota, acabou me ajudando a lembrar de alguns fatos enquanto eu tentava dizer como soube da revista e ela contava a própria situação e os benefícios de trabalhar vendendo a Ocas. 
A revista é feita pela Organização Civil de Ação Social - OCAS(2), instituição sem fins lucrativos, com a participação de pessoas como Fernando Bonassi, escritor, roteirista, cineasta etc., que escreve na revista nº 58 que comprei. A venda da Ocas tem como objetivo melhorar a vida de pessoas em situação de rua. Elas vendem a revista e o dinheiro reverte(3) para eles e assim podem deixar a rua e pagar ao menos uma pensão, um canto, vão ganhando dignidade e alguns começam até a realizar sonhos, ou antes disso, (re)começam a sonhar diante da realização dessas vendas, provavelmente também com a melhora no contato com o outro, coisa difícil quando se está na rua, sem as condições mínimas de higiene e.
Ana, se me lembro direito, está fazendo cinema na USP. É uma jovem falante, inteligente, 
racíonio rápido, atenta ao que se fala com ela. Bonito ouvi-la e gostoso conversar com ela. Aprendi umas coisas sobre gente dentro e fora do MASP. 
Se for ao MASP ou nas imediações e quiser a Ocas, não só por se tratar de uma causa solidária, porque a revista tem textos muito bons mesmo, Ana disse que está sempre por ali ou tem outra pessoa vendendo a revista. Custa R$ 3,00 cada exemplar, a Ocas mais recente é esta, com o mais que cartunista Paulo Caruso





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1. Têmpera é uma técnica de pintura em que o pigmento (as cores) se torna tinta pela adição de aglutinantes. As têmperas mais comuns são a têmpera a óleo e a têmpera a ovo. Não havia informações sobre com qual têmpera Evandro pintou seus quadros, uma falha dos organizadores da mostra. O pintor Alfredo Volpi usava muito a têmpera a ovo em suas belas



As reproduções das têmperas de Evandro têm como fonte a Enciclopédia Itaú Cultural Artes Visuais, onde mais obras dele podem ser vistas e uma porção de informações e até um vídeo com ele falando de sua arte.
2. Há o  endereço do site da OCAS que é www.ocas.org.br, mas este link é para o blog da revista. Não consegui acessar o site, que vale a pena ser visitado porque nele há mais informações sobre o que fazem, aliás, lá acontecem mais atividades além da revista. 3. No blog soube que a revista pode ser comprada de outros modos e até mesmo assinada, veja .
Em algum  lugar no site ou no blog deve haver uma informação mais correta sobre a venda da revista por essas pessoas em situação de rua, não me recordo se recebem todo o valor que se paga pela revista ou uma parte.


ML: Acabo de escrever isso sobre a revista e sinto que, embora tendo começado o blog voltada unicamente à ideia de falar sobre arte, não pude deixar de contar o que vivi naquele dia de visita à exposição. Fui além dos quadros.
E creio que falei por inspiração vinda de duas pessoas. Uma delas é Andrea com seu blog, em que fala de dor, aponta injustiças sociais, de solidariedade, de respeito ao próximo, respeito que ela pratica, e muito mais. A outra pessoa é Pedro, com quem converso sobre a arte e a vida e que tem um blog sobre sexualidade, mas que aqui me inspirou por já ter feito belos trabalhos de valorização de pessoas, em especial numa comunidade de Campinas (SP). 

Não falar da Ocas teria sido... Ah, me lembrei de Laura, devo isso a ela também.
Teria sido péssima ideia não falar da Ocas, tinha de partilhar sua existência com mais pessoas e agradecer a Ana e a meus inspiradores em assuntos de humanidade.

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