Acabou a Bienal de São Paulo, mas a minha segue! Tenho muito o que contar e pensar sobre o que vi e ouvi lá, podem ter certeza disso!
Na postagem anterior sobre a Bienal, eu falava de desenhos. Não, ainda não falei de todos, não terminei as pesquisas que gosto de fazer para complementar com informações a postagem e estou com muita vontade de entrar de uma vez no mundo audiovisual, depois retomo os desenhos.
A presença de obras audiovisuais me chamou muito a atenção e a lamentar só mesmo não ter podido ficar calmamente assistindo alguns curtas e videoinstalações que me atraíram de cara, de ouvido. Digo isso porque aconteceu de ouvir primeiro e depois ver, assistir.
Sabendo que não voltaria uma segunda vez ao evento, comecei a tentar não me demorar muito diante das obras, embora isso seja algo que me agrada por demais e é essencial para a leitura delas
Para poder falar do curta de Gülsün Karamustafa, que não foi o primeiro de que assisti a um trecho, tive de garimpar até descobrir o nome da obra, porque a que aparece o tempo todo, na internet e mesmo no Guia Como procurar coisas que não existem [pp. 138-139], é uma que ela fez com tecidos, que não vi ou vi somente de passagem
Trata-se de Resimli Tarih [História ilustrada] de 1995, uma colagem têxtil. Mas o que me interessa é Migrante.
O título original é Muhacir, Gülsün é uma artista da Turquia.
Esses são dados que eu desconhecia até poucos minutos atrás. Estava circulando pelo andar C, já tinha visto o double-screen film dela: duas telas colocadas bem na união entre as duas paredes, no canto.
Não havia parado para assistir, acho que fui ver umas tantas obras nas imediações e não dei olhar para aquilo. As telas estavam num espaço escuro,
a sensação é outra, não notei sequer os fones para ouvir.1 F
Em parte, foi a distância em que eu estava… e agora me vem à memória a cena que, quando decidi assistir, havia dois rapazes mais próximos das telas e eu não tinha boa visão. Esperei que saíssem da frente (ou foi antes, não importa), porque o que vi foi muito especial, aliás, eu nem sabia quanto até hoje, lendo sobre o que é o filme.
Vi a moça da tela à direita caminhar e passar para a outra tela.
E eu não estava filmando. Entrei num estado de perda e peguei logo o celular e, no meio da atrapalhação, registrei isso
Depois, me fui dali, não dava para aguardar que o filme recomeçasse e registrar a passagem nessa obra que achei descrita como uma videoinstalação com dupla projeção no canto e que fala de migração forçada, no caso a de suas avós, mas se refere, sim, a migrações forçadas ate hoje.Neste momento em que escrevo, continuo buscando mais informações, fotografias, o próprio filme para mostrar a vocês e meu vídeo ainda não está inserido em seu lugar mais acima, eu confesso que não o vi direito e não estou certa de incluí-lo na postagem. E qual não é minha surpresa ao ver uma foto que é exatamente uma das imagens iniciais do meu vídeo
e posso ver nitidamente o que não vi lá: chocante, os efeitos da guerra mostrados por essa multiartista2 que se define como “una artista de Istanbul”.
Há uma infinidade de coisas a falar sobre ela, mas deixei espalhados pelo texto e as fotos são links para textos, a fonte das imagens, neles vão encontrar mais informações. Devo seguir para o próximo artista.
Claro que meu encantamento com a passagem da moça de uma tela para outra não é meramente com isso, que é um recurso tecnológico, mas com o uso dele tão bem pensado, essa questão da migração fica representada ali, creio eu. E inegavelmente a beleza disso ser possível pela tecnologia atual. Sei, por experiência minha, de quanto os recursos pesam na realização de uma obra de arte, na verdade, se penso nos equipamentos de que disponho hoje, fica óbvio que não poderia ter filmado um trecho de Migrante e compartilhar aqui sem o smartphone com câmera. Esses simples equipamentos, celulares ou smartphones, me permitiriam concretizar algo que era impensado anos atrás, aliás, foi em 2005 que descobri que gosto de filmar.
Mais uma nota sobre este e outros filmes e a tecnologia. Acabo de perceber que alguns deles não se prestam às salas de cinema, ou ao DVD, menos ainda à TV, só mesmo diante da instalação é que a história se dá.
Bem, acho que não aconselho ninguém a visitar exposições como eu faço, muito menos uma bienal. Fui verificar o nome da obra que filmei, fotografei e foi a primeira que me impressionou pelo uso que faz das telas digitais.
Vi que se tratava de um grupo de pessoas, uma delas aparecia calada, de frente para o espectador, de costas para uma fileira de outras pessoas na tela grande e falando numa tela à direita da gente. Quando terminava de falar, era vista, na tela maior, se juntando aos demais ao fundo.
Eram quatro telas digitais, de tamanhos diferentes
aqui se vê acima que havia o que ouvir/ler (legendas) em, pelo menos três dessas telas. O espectador exposto a um desafio de captar tudo e certamente sem poder dar conta disso numa única sessão. Ver de novo e again. Eu, sem tempo.
O curta é The Excluded. In a moment of danger (Os excluídos. Em um momento de perigo) do coletivo russo Chto Delat (= Que Fazer), o que soube no site Fala Cultura, onde também está explicado qual a questão tratada nele.
Há pouco assisti aos comentários do curador Paulo Miyada sobre o curta no vídeo do programa Arte 1 Em movimento,3 de onde capturei o frame com as telas da instalação acima.
Aqui trecho filmado por mim,
Repito, o evento é muito grande, esse tipo de instalação se perde porque exige um tempo considerável para assistir, se envolver com aquilo e poder compreender a trama, os significados. Se vocês forem ler o que está dito no Fala Cultura e depois ouvirem o curador Miyada, vão notar que cada um abordou o curta de um ponto de vista; sim, ambos incluindo a política, mas o curador tocou no uso da tecnologia, na postura do espectador. Eu fiquei num nível bem superficial,ilpois não assisti direito, quis registrar da melhor maneira. Foi uma primeira experiência com câmera de celular e com a câmera digital que tenho.
O que me chamou atenção também foi essa imagem
por se tratar de um desenho, mas, como eu não assisti aos vídeos, não sabia qual sua ligação com os vídeos.
Finalmente o artista que mais me fez a cabeça. Para mim talvez seja o que fez com que ter estado nessa Bienal valesse a pena realmente. Não conhecia obra dele, não pude deixar de saber seu nome logo após assistir uns trechos de seus dois curtas e anotar no caderninho que levei: Val Del Omar, José Val del Omar.
Estava longe da área onde suas obras estavam. Vi que havia cortinas pretas e no fundo passava um filme em P&B.
A pressa me fazia desistir de antemão dos vídeos, por saber que não passaria de uns trechos. Foi quando vi que pessoas se dirigiam para aquela área e entravam à direita, atrás da cortina preta. Fiquei curiosa sobre aonde estavam indo, para qual sala. Havia salas no evento.
Ao ir me aproximando, comecei a ouvir uma voz de homem misturada a sons de água correndo. Distingui algumas palavras em espanhol, os olhos presos na tela, envolta numa penumbra parcial, que pode ter atrapalhado a nitidez da imagem. Digo por estar assistindo ao curta que é Aguaespejo granadino [Águaespelho granadino] de 1955, no YouTube, e está muito mais nítida. Este tem pouco mais de 20 minutos de duração, percebo que assisti foi apenas a um trechinho mais ao final.
Já ia me retirando dali, pensando na hora, mas fui capturada por uma luz que vinha da tal sala à direita e o som de música. Entendi aonde iam as pessoas que sumiam atrás da cortina escura.
Imagens de santos, luzes, movimentos de câmera… sonho ou pesadelo?
Fiquei à entrada da sala, incrível ver aquelas imagens projetadas na parede, imensas. Vi um Cristo crucificado de ponta cabeça sob a água…5
Não estava filmando, meio paralisada diante das imagens que se sucedem sem que o cineasta se detenha por um tempo maior em nenhuma delas, ou se o faz tal imagem é suporte de efeitos de luz, de projeções, sombras e movimentos de câmera...
Já com a câmera na mão, não entrei na sala, havia pessoas sentadas no chão e não me senti à vontade para me movimentar. Se estivesse sozinha teria ido o mais perto possível da parede onde estava projetado o curta.
Como encontrar coisas que não existem?
Val del Omar tem a resposta, porque o que vi são imagens de santos que, de sua imobilidade, parecem mudar suas expressões faciais com o jogo de luz, sombra e movimento de câmera. Ele deu vida ao que não tem, vi nos olhos mortos daquelas esculturas tristeza, medo, espanto, algo que não demonstravam com essa intensidade antes da filmagem, do olhar desse mago dos anos 1960, ano da filmagem desse Fuego en Castilla [Fogo em Castilha] com 17 minutos e cinquenta e um segundos
A tecnologia do curta é analógica, atualmente desvalorizada por alguns por conta da era digital, mas com seu papel essencial para o artista se expressar, concretizar sua visão das coisas ontem e sempre. Ela possibilitou “una cinegrafía libre de José Val del Omar”, que é o que está escrito nos créditos do curta, que faço questão que vocês assistam interior, graças ao site Dailymotion
Fuego en Castilla - José Val del Omar por EoqueE
Eu me impressionei um bocado com essa obra, ao saber da época em que foi feita minha admiração cresceu ainda mais. A curiosidade em ter mais informações sobre a câmera que usou, que recursos eram aqueles, pesquisando um pouco na internet vou obtendo umas respostas e sei que poderia ficar procurando por horas até montar um quadro, uma história de Val de Omar e sua arte, no entanto meu texto não tem como objetivo esmiuçar o assunto, vou dar umas pinceladas apenas e esperar que quem me leia seja tocado, provocado a mergulhar na obra/vida dele.
Val del Omar a realizou uma obra experimental,
dois momentos do curta. Sim, ângulos diferentes, mas é a luz, o que ele projeta sobre a superfície, as sombras, a música, os sons, o clima que Val del Omar cria, no Museo de Escultura Religiosa Valladolid, durante a filmagem. Isso me esclareceu sobre o Cristo dentro d’água que me surpreendeu assim que me dirigia à sala. Não era água, e sim um efeito provocado pelo cineasta.
Sou uma apaixonada por Fuego en Castilla, amor à primeira vista da visão táctil de Val de Omar! Mas o que é isso, visión táctil?
Ainda não sei como fazia para que tenhamos a sensação de movimento, de mudança de expressões faciais. Não sei o que queria dizer com esse termo, o que significa a projeção de uma sombra em forma de flor/estrela sobre a face da escultura, como foi que conseguiu o efeito da escultura mergulhada na água sem estar.
Val del Omar é um artista das imagens e dos sons. José Val de Omar, para mim, sua obra é a que talvez seja a melhor tradução para o tema da Bienal de São Paulo, com ele aprendi como ver coisas que não existem, e foi preciso escrever sobre o
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1. A Bienal é ruidosa, podia-se ouvir o som de alguns curtas e videoinstalações o tempo todo. Havia uma videoinstalação com um dispositivo acima da cabeça do visitante, era por ali, mais perto da tela que se ouvia o som.
2. Não daria para eu me deter mais sobre Gülsün Karamustafa, então quem tiver interesse, há pinturas dela, por exemplo, no site Artsy.
3. No vídeo, o curador Miyada dá dicas de obras para quem fosse a Bienal não deixar de ver. Há muitas dessas listas de dicas. Procurei não consultar, não seguir. Algumas das dicas dele coincidiram com obras que eu vi.
4. Mais informações sobre o tema do curta no site
5. A impressão foi a de imagem estar dentro d’água, mas creio que é só um efeito.
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