segunda-feira, 28 de junho de 2010

Processo de criação


Banco vermelho da revista Casa Claudia*

Olhe bem para este banco. Fiz um desenho a partir dele.
Folheava uma revista usada quando o vi. Quase imediatamente me interessei por suas formas e mesmo pela cor vermelha dele. O recorte do encosto, em curvas, mexe comigo, e não tenho nenhuma explicação para isso. A pintura vermelha desgastada em certos pontos, onde se pode ver um cinza, acho bonito. Comprei a revista para poder observar o banco e uns dias se passaram até os primeiros esboços.
A forma do encosto eu ressalto neles, é o mais importante, a curva me atrai. no entanto não queria reproduzir o banco com exatidão, só alguns detalhes dele. 
Insatisfeita, continuei pensando no desenho, ainda com os olhos na foto do banco. Mas pouco a pouco fui me concentrando no esboço e, mesmo sem pegar no lápis e só mentalmente, trasnformações foram acontecendo na imagem numa espécie de esboço invisível, traçado atrás dos olhos talvez.
Já com o papel onde o desenho seria feito à mão, lapiseira em punho (gosto mais de lapiseira 0,5 mm para iniciar o esboço e com uma pressão leve para não marcar o papel), vou eu desenhar o tal banco. 
Medidas alteradas, ali ele começou a se modificar, não o banco mas o desenho que surgia no papel. Foi realizado, como eu digo inúmeras vezes, dividindo as decisões com a própria imagem, fui notando aos poucos que a imagem seria outra coisa que não a de um banco. 
No tal papel o esboço feito e alterado passo a passo me pareceu tão bom que fiquei receosa de colocar cor. Previa um vermelho mas os detalhes eu não tinha cor para eles e também havia o fato de pretender usar o giz da Sennelier com o qual não estava familiarizada o suficiente, seja lá o que siginifique esse suficiente aqui.
Algo com que me ocupo é não ficar acomodada a um modo de fazer os desenhos, a uma técnica; tinha vontade de experimentar um pouco naquele desenho. E para acalmar minha insegurança sobre o que veria ao final do processo, resolvi copiar o esboço num papel manteiga, preservando a imagem e me lançando ao que sentisse que devia fazer no desenho. Criei um espaço para minhas ousadias gráficas.
Eis o desenho


 
Abraço, 2010

Usei um lápis de carvão em vez do habitual grafite em algumas linhas. Na verdade pensei em fazer um vermelho com transparência mas não ouve jeito. Embora ali eu veja um veludo, então a transparência nem faria sentido. Os detalhes são de madeira clara. Não sou designer de móveis, não sei se no mundo real não seria melhor uma madeira escura.
Coloquei um nome provisório, Veludo e Madeira, dias depois de terminado, ou supostamente terminado uma vez que estava inclinada a colocar ao menos uma terceira perna e um acabamento em madeira bem na curva do encosto. Um desejo repentino de representar algo real, uma poltrona de verdade, ela certamente precisaria de mais uma perna para se manter em pé, só se fosse uma escultura isso seria dispensável.
Esse desejo, aliás, me valeu uma conversa bem engraçada com Pedro, que há anos vê meus desenhos e conversamos a respeito. Não foi diferente com a poltrona vermelha. Ele não viu nada faltando no desenho e ainda me perguntou que significados ou o que eu via na poltrona e, na verdade, achei que ela não ficou confortável, aconchegante, mas gostaria que tivesse ficado para eu me atirar nela, buscando uma certa proteção.
Acho que foi essa minha observação e o fato de ele não ver isso no desenho que o levou a dizer que tinha um título para o desenho, não antes de perguntar se eu já tinha um, ao que respondi que não, apenas um provisório. Parece até que previ que aquele não seria mesmo o titulo.
Daí Pedro mencionou  Abraço. E passei a chamá-lo assim, Abraço porque me agrada e faz sentido, porque capta primeiramente a visão de Pedro e, depois, por falar algo que, na minha opinião, não ficou bem explicitado no desenho, mas  revela um desejo meu.
Normalmente eu não fico buscando significado para minhas imagens, Pedro é que várias vezes me coloca essa questão e fico bem de procurar responder, de me revirar por dentro e me portar como expectadora da minha própria arte. 
Arte é autoconhecimento também, eu é que resisto em admitir porque me observar e conhecer e prestar atenção ao que faço, penso, vivo é um exercício constante e não  encaro a arte que faço como terapia.
Não posso deixar de mencionar o privilégio que é ganhar um título tão significativo e bonito, que acabou me fazendo parar de encontrar problemas no desenho. 


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*O banco foi feito a partir de uma antiga cama por Normélio Brill, e está na revista Casa Claudia nº 7 de Julho de 2005, p. 118.  A foto, que aqui não aparece inteira, foi preciso recortar, é de Letícia Remião.

Um comentário:

  1. Oie Marga,
    Ele tem toda a razão, parece um abraço...
    Abraço aos lábios carnudos e carmim...
    Assim que eu o vi...rsrsr
    Bjs

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