Girl in a yellow dress, 1929-1931*
Ontem entrei num sebo e já estava disposta a ir embora por não ter achado nada que me interessasse, mas não conseguia sair. Ia e voltava às prateleiras e mesas cheias de livros desanimadores, tanto quanto o senhorzinho e sua esposa, ambos sentados no fundo da longa sala retangular, não sei se me observando ou assistindo ao escurecer do dia.
Já havia estado ali outras vezes e conversado bastante, ele até me contou sobre sua vida profissional antes da aposentadoria. Eu não estava a fim de prosa, então fiquei procurando algo em silêncio. Claro, quando cheguei cumprimentei e me calei. Minha cabeça anda cheia de questões sobre arte, o silêncio vinha disso.
Ao me dirigir mais uma vez para o lado esquerdo do espaço, finalmente vi a sessão de artes. Mui modesta.
Matisse, li o nome na capa do pequeno livro. Em poucos segundos estava com ele na mão.
O antigo dono foi Edmond S... e a data junto da assinatura é a mesma da edição, 1953. Nome e data escritos numa letra inclinada, cujo sobrenome não pude ler direito. Ele deve ter comprado nos Estados Unidos logo que foi publicado. Quem sabe, morava em Nova York.
Livro de bolso, com o preço de 50 cents. Isso é que é ter acesso à cultura!
Matisse, ele é o que importa aqui. É um dos meus amores, há tempos aprecio sua obra, seus escritos. É dele o quadro acima (fico devendo o nome em francês).
Não usaria um vestido amarelo, eu acho, mas me chamou atenção a imagem imediatamente, tanto que foi o que me motivou a comprar o livro por 10 reais já descontado um real pela cortesia do senhorzinho.
Eu demorei a achar o dinheiro, ele gentilmente me propos pagar num outro dia, talvez minha presença fizesse bem naquele lugar somente ocupado pelo casal, então minha volta seria boa. Bonito gesto dele porque de confiança em mim. Mas eis que a nota aparece numa de minhas carteiras e uma repentina disposição de falar, de contar que desenho e as imagens de obras de Matisse faziam crescer uma vontade de pintar.
O livro é do crítico de arte Clement Greenberg. Eu conheço este nome por conta do seu papel na vida artística de Jackson Pollock, para bem e, o que aparece no filme Pollock, para o mal.
As descrições ou leituras breves deste quadro e também de Large interior in red foram decisivas para a compra. Nelas Greenberg fala claramente sobre o que vê com olhar atento e não resisti porque é justamente o assunto que anda me tomando várias horas do meu dia.
A certa altura do texto, ao se referir ao quadro Large..., Greenberg nos pede para notar como figura e fundo estão no mesmo plano de cor (color plane). Tão óbvio e se não pararmos para pensar, olhar, não vamos ver. Certamente esse elemento deve ser notado, e confesso que gosto da imagem sem que o fato me chamasse a atenção, mas está ali o tempo todo, sempre estará. É tudo vermelho.**
Sobre o quadro da moça com vestido amarelo Greenberg aponta para linha aparente, que tanto me interessa.
Matisse parece ter apreciado o tema do vestido amarelo pois o retoma numa gravura em metal na técnica de água-tinta em cores
Sobre o quadro da moça com vestido amarelo Greenberg aponta para linha aparente, que tanto me interessa.
Matisse parece ter apreciado o tema do vestido amarelo pois o retoma numa gravura em metal na técnica de água-tinta em cores
Marie-José en robe jaune, 1950
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* Fonte: Matisse, Clement Greenberg, New York, Abrams, Pocket Library of Great Art,1953.
** Vermelho não por igual mas não houve preocupação em representar o real. Matisse não faz distinção formal de parede e piso, não faz uso de perspectiva para dar impressão de profundidade da sala. Na verdade, se observarmos mais um pouco,vamos notar que o vermelho é usado também na mesa à direita e no quadro em um tom mais escuro, isso eu digo e me arrisco, quem disse que a reprodução se presta a afirmações desse tipo?
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