sábado, 14 de maio de 2011

Dois artistas amigos



Dentro de mais algumas horas a exposição estará sendo aberta


e tenho o prazer de contar a vocês que conheço dois dos artistas que tiveram suas obras selecionadas para este evento


Antes de falar nisso, quero contar como os conheci. Em março participei da Oficina do Livro de Artista na Oficina Cultural Hilda Hilst, que tinha como orientador João Bosco1. Ainda vou mostrar o que andei fazendo nessa oficina que foi maravilhosa em vários pontos, pois até voltei a desenhar depois de meses lidando mais com fotografia e outros assuntos. Já vou eu me dispersar, devo me deter no assunto.
Um ponto alto foi o convívio com pessoas cheias de vontade de aprender, trocar informações, experiências e tudo em companhia de João, que dividiu com a gente o que sabe, o que pensa, sente e vive fazendo arte, ele que é artista plástico e também ilustrador do jornal Folha de S. Paulo. Aliás, é ainda um grande divulgador de outros artistas. Muito se falou dos artistas da Campinas, algo raro em cursos e oficinas em que muito do que se diz é sobre artistas estrangeiros apenas. João valoriza toda a arte e compartilha o que sabe com quem está perto.
Uma pessoa de presença marcante foi Eni. Durante as apresentações iniciais em que cada um diz o que faz, por que decidiu participar da oficina, essa moça foi das mais rápidas, manifestando uma timidez rara porque Eni trabalha silenciosa em seus desenhos carregados de significações, tecidas com linhas que surgem belas no espaço da folha de papel visitada por seus gestos delicados.
Ah... mas e quando lhe vêm as palavras... e me expresso assim porque, depois de visitar meu  blog, Eni escreveu suas impressões. Ela se expressa de um modo sensível, atento, com uma emoção e sinceridade inesperados e que eu segurei, ainda seguro com as duas mãos de tão bom de ler.
Primeiro vi um desenho de Eni, que ela não quis descrever e não precisava. Figuras humanas em meio a uma trama de linhas, nos enchendo de perguntas que devem mesmo ser dirigidas a ele, o desenho, e a nós.  Seu livro de artista, vi pronto, em cada página uma imagem formada por papéis rasgadinhos, colagens. Não sei de sua formação, de quando começou a fazer arte, o importante é ouvi-la, lê-la, ver suas criações, por que eu haveria de saber mais? É evidente a delicadeza e a força do que cria, do que diz, de quem é Eni
Sem título

João fez um livro de artista que é bárbaro. Diz que é sobre o nada, mas me pus a uma leitura da superfície das páginas supostamente vazias e

                                                
Ambos já se conheciam, João e Eni. Eu tive a sorte de encontrar os dois. Eles têm bondade e respeito pelo outro, são pessoas que sabem como iluminar caminhos da arte e da vida para si, o que é essencial, e especialmente para os outros.
Eni e João participam da Bienal com essas monotipias2


Sem título, de Eni Ilis
Monotipia s/papel


Memórias da parede, de João Bosco
Monotipia s/tela3

Que a exposição, que vai ficar aberta à visitação até o dia 25 de junho, leve mais olhos às artes de Eni e João!

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1. No site de João Bosco dá para ver mais obras dele, aproveitem: www.joaobosco.art.br
João também tem belos cartões feitos um a um, ou seja, são pequenas obras de arte, à venda em alguns lugares: em Campinas (Livraria Pontes, Café &Arte, Inventor de Sonhos) e em outros locais. 
2. Há controvérsias sobre monotipia ser gravura por conta de não ser feita com uma matriz com que se possa reproduzir a imagem mais vezes. Fico contente de para os organizadores da Bienal o critério ser outro, certamente o da qualidade da obra, para a seleção, o que amplia a possibilidade de participação  de quem tem essa arte como meio de expressão. 
3. João faz arte de uma modo muito seu, nesta monotipia, por exemplo, ele preparou a tela com tinta latex e massa corrida antes de fazer a monotipia com tinta gráfica.   
                      
ML_Quero comentar sobre a confiança de Eni e João quando pedi para me enviarem fotografias das obras selecionadas para esta postagem. As fotografias são de João. E dizer que o fiz movida pela alegria de poder compartilhar a notícia, fazer o convite não exatamente para a abertura, pois demorei a começar a postagem, mas sim convidar para visitar a exposição.  
Devo confessar que tem dois lados quando se escreve sobre pessoas que se conhece não importa o tempo que faz isso. Não me propus mesmo em descrever as obras, as monotipias de linha deles a gente nota que cada um tem sua personalidade, seu repertório de imagens e isso é o que faz a riqueza da expressão artística de João e Eni. Cada um com sua bagagem de vida construindo um universo de imagens. 
O outro lado é um certo receio de não fazer a melhor colocação, a abordagem merecida; é diferente escrever sobre artistas, pessoas com quem não convivi, embora possa dizer que escrever é sempre uma responsabilidade grande. E, como diz João, tem um componente afetivo permeando minha escrita e uma ansiedade em contar logo a todos que neste momento os dois e todos os selcionados, os envolvidos no evento devem estar em meio a uma agitação gostosa, talvez um pouco tensa mas daquelas que vão ficar na história pessoal deles.
Ser selecionado para uma bienal, um salão de arte, um concurso, representa um reconhecimento, uma valorização importante dessa arte que é feita pelos artistas em seus ateliês, e naturalmente uma oportunidade de levar ao público suas obras.
Devo confessar que fui vencida pelo tempo pois termino a postagem com a abertura da exposição acontecendo.




sexta-feira, 13 de maio de 2011

13 de maio de 1888 | May 13th 1888


No dia 13 de maio de 1888, princesa Isabel assinou a Lei Áurea promovendo a abolição dos escravos.
Hoje é 13 de maio de 2011, não vou tecer comentários* sobre esse ato histórico da princesa que pode ser comemorado, pode muitas vezes ser ignorado, pode ser motivo de alegria e de vergonha e para outros deve ser esquecido, pode parecer não ter acontecido, pode ser confundido com justiça, pode ter sido apenas para se livrar de uma situação embaraçosa perante o mundo ou para libertar os próprios esgravagistas dos encargos com escravos e da pressão de abolicionistas. O Brasil foi dos últimos a tomar uma decisão como essa.
Sou negra, 


e parte dos meus ancestrais vieram ao país trazidos em navios negreiros1

 

para servirem de escravos.
Desde que vi imagem semelhante a essa pela primeira vez, foi em 1983, não me esqueci mais, impressionada2




Como artista lido com imagem, volta e meia me pergunto como posso me "apropriar"3 dessa imagem do navio negreiro como artista, e sim como negra, pois o navio negreiro é a construção de uma memória de algo que não vivi mas herdei

N.N. | S.S., ~2006
Monotipia e pintura s/papel


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* Há pessoas talhadas para argumentar e contar o que foi mesmo a Lei Áurea, como os historiadores, pesquisadores. Li, faz muito tempo, em algum texto que a situação dos negros não ficou exatamente dourada e sabemos que ainda não é. 
Sabe-se mais: atualmente há quem escravize outras pessoas de inúmeras maneiras.
1. Essa imagem representa uma possível distribuição dos escravos num dos porões de um desses navios ou tumbeiros, outro nome dado a essas embarcações em que homens, mulheres e crianças negros eram transportados de África para vários lugares do mundo, sempre para se tornarem escravos.  
2. Aqui é um detalhe do esquema para uma ocupação total da área do porão. A mim isso impressiona muito cada vez que vejo e penso que se tratava de seres humanos e não de mercadorias.
3. É um projeto em que venho trabalhando e não sei ainda quando vai se completar, na verdade como vai tomar corpo de fato e poder ser mostrado não como um espetáculo.


ML_ Não foi uma decisão simples resolver escrever aqui sobre o assunto da lei, da escravidão. Para uma boa parte da população isso não é coisa que se comente. Vi um quase nada de comentários ou menção à data histórica. Nas emissoras de televisão a que assisti preferiram tratar da superstição de azares e sortes do dia 13, foram até mesmo passar por debaixo de escadas munidos de suas câmeras e o desfile de Gisele Bündchen pela primeira vez usando uma lingerie foi destaque também. 
Ouvi de um jornalista que a abolição da escravatura foi, sim, uma coisa importante para os negros mas que foi para os brancos porque se tornaram livres...
Não tive tempo de procurar textos, links para sugerir.
Assunto delicado, embaraçoso, acho que até essa postagem eu estava com esse mal-estar de alguns ao ponto de me calar também. Por um certo tempo meu silêncio se deu por eu não perceber que ser diferente, como ter a pele escura, levava alguns a ter ideias preconcebida sobre uma pessoa. Então depois de aprender isso eu me calei mais ainda. 
Não faz muito anos que a consciência de ser negra passou a ser parte de mim como afirmação essencial, como valorização mesmo dos meus ancestrais, das minhas raízes que se estendem até a África. Isso foi nas tantas conversas com Pedro, que com seu olhar foi descobrindo a África nos meus desenhos e me mostrou.


This text is about the 13th May 1888, the year of the princess Isabel signed the famous 'Golden Law' ("Lei Aurea") in Brazil. It was one of the last nations in the western world to abolish slavery. I am  a black woman and here I try to say sometihng about this and remember my black ancestors who were slaves. And show two images of a slave ship, the last is a monotype that I made inspired in a old scheme of one of these slave ships. 
I write about my necessity of remember this fact and all despite the dificulties and think.

Ver também: